Sem pânico, é orgânico
Semana passada celebrou-se o alimento orgânico em todo o país. Feiras, degustações, eventos culturais e encontros políticos marcaram a data, uma oportunidade para técnicos, agricultores e consumidores trocarem experiências. Foi também ocasião para confirmar benefícios e deflagrar o lento avanço da agroecologia no campo e na mesa brasileira. Vamos a elas.
Quando você compra um alimento agroecológico, sua comida fica mais saborosa. Não é à toa que bons chefes de cozinha o preferem ao insosso convencional. As substâncias químicas ficam fora do seu prato porque o orgânico é produzido sem inseticidas, herbicidas e fungicidas tóxicos, fertilizantes químicos ou aditivos que contaminam a terra, a água, o ar, os bichos, o alimento e o homem que planta e o que come.
Cerca de um milhão de agricultores são envenenados por agrotóxicos todos os anos no mundo. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, mais de um bilhão de litros de veneno foram jogados nas lavouras desde 2009. Os agrotóxicos causam câncer, problemas hormonais e neurológicos, depressão, doenças na pele, diarreia, vômito, desmaio, dor de cabeça, contaminação do leite materno. Quando uma criança completa oito anos de idade, já recebeu a dose máxima aceitável para uma vida inteira de oito pesticidas que causam câncer.
Portanto, optar por orgânicos é proteger as futuras gerações. E a qualidade da água, pois o veneno usado nas lavouras contamina lençois freáticos e córregos. Isso já acontece no Aquífero Guarani, nossa maior reserva de água doce. Mas o maior estrago dos venenos não é ambiental. Eles criam populações doentes, deficientes no pensar, no sentir e no agir. Alimento foi feito pra fazer a gente pensar e isso é muito mais do que encher o bucho e ganhar forças para matar o leão do dia.
A cultura do fumo cria doentes mentais no campo, que se contaminam com agrotóxicos e desenvolvem uma doença pelo contato cutâneo com a nicotina. São reféns de um sistema perverso, que oferece crédito, assistência técnica e garantia de compra de toda a safra a um preço bem caro. Tão dependentes como os fumantes, os fumicultores não conseguem enxergar o cultivo de outra coisa além da maldita planta e planejar a diversificação da lavoura.
O cultivo agroecológico ajuda a refazer o solo degradado pela monocultura industrial ao reverter a perda anual de bilhões de toneladas de terra fértil. Isso porque os agricultores usam compostos naturais e coberturas verde para tornar o solo vivo e saudável, transmitindo essa qualidade ao alimento. Restaura a biodiversidade ao criar ecossistemas fortes, equilibrados com culturas mistas, em vez da monocultura, mais sensível a pragas e doenças. O solo tratado com substâncias químicas libera grande quantidade de gás carbônico, gás metano e óxido nitroso, comparsas do aquecimento global e é sabido também que mais energia é consumida para produzir fertilizantes sintéticos, à base de petróleo, do que para plantar e colher todas as safras do mundo inteiro.
O que se gasta comprando orgânicos se economiza na farmácia. Um estudo americano mostra que eles contém duas vezes e meia mais minerais do que o alimento produzido artificialmente, mesmo aqueles enriquecidos com vitaminas e modificados para repor os nutrientes destruídos durante o processamento. Além disso, os orgânicos são a forma mais econômica de comida, já que um pé de alface convencional, que custa 50 centavos, deve ter acrescido o custo dos danos ambientais e de saúde, ainda pouco visíveis, e passará a custar quatro vezes mais.
Se a agroecologia é uma via transformadora de um sistema danoso e falido, por que ela caminha a passos tão lentos? Em primeiro lugar, precisa de políticas públicas consistentes, isenções fiscais e programas de financiamento e que favoreçam a transição da cultura convencional para sistemas agroecológicos.
Atualmente, esse tipo de incentivo está voltado para o agronegócio das commodities. É importante identificar os elos do mercado e apoiar a comercialização e o acesso aos produtos por meio de feiras, compras institucionais, fazer valer a Lei da Merenda Escolar, que determina que 30% deve vir da agricultura familiar. Ações isoladas, um projeto aqui outro acolá, como acontecem hoje em dia, até parecem brincadeira de criança. E por falar nelas, a agroecologia deveria fazer parte do programa curricular escolar a fim de promover um novo entendimento sobre produção e abastecimento de alimento de qualidade real e superior. Deve ser feira durante a educação formal e em tempo hábil, e não de forma técnica, como acontece hoje. Diz o ditado que é de pequeno que se torce o pepino.
No campo, os jovens rurais enfrentam dificuldades em manter a tradição familiar e inovar, em conseguir financiamento e manter contato com o mundo, afinal. Eles querem internet e telefone no campo, incentivos para empreender, trocar, mostrar que sua terra não é aquele lugar atrasado, ao contrário, é rica em beleza de paisagens naturais e em saberes e fazeres cultivados e melhorados por gerações.
O mundo rural está perdendo seus jovens por muito pouco, para serem ajudantes de pedreiro ou garçons, deixando para trás recursos preciosos que não estão nas cidades. Não é substituindo o homem por máquinas e a diversidade por linhas homogêneas de alface envenenado que vamos criar a visão de um campo próspero e abundante.
Não falo somente de renda, pois a nova classe C rural, com renda domiciliar de R$ 1.126 a R$ 4.854, cresceu 72% desde 2003. Digo em criar um ambiente sadio, pacífico, aprazível e atrativo na roça, capaz de oferecer condição de harmonia entre as famílias e a satisfação do consumidor que pode acessar alimentos de qualidade verdadeira. Num futuro breve, no campo ou na cidade, todos seremos agricultores, direta ou indiretamente, integral ou parcialmente.
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